Trabalho realizado por Janete Serra, nº 7, 12º B, 2010/11
Prof. João MoraisEntre a célebre obra de Camões, Os Lusíadas, e a grande obra de Pessoa, Mensagem, existem semelhanças e diferenças. A forma como o herói é apresentado e retratado é uma dessas diferenças.
N’Os Lusíadas o herói inscreve-se num tempo, aquele em que decorre a viagem para chegar à Índia. Pelo contrário, na Mensagem o herói não se inscreve num tempo e num espaço. Enquanto na obra de Camões se fala de algo que aconteceu, na obra de Pessoa os heróis vão-se desmaterializando e são como símbolos que configuram intemporalidade. Na Mensagem as figuras heróicas são emblemáticas de um conjunto de valores que permanecem na memória colectiva do Povo português. Vejamos o texto “Ulisses”, que pertence à primeira parte da obra, “Brasão”:
“Este [Ulisses], que aqui aportou, / Foi por não ser existindo. / Sem existir nos bastou.”
Ou seja, Ulisses é um herói mítico que, apesar de não ter existido, tem uma representação espiritual e simboliza o herói da Antiguidade e, assim, ficou na nossa (leitores e poeta) memória colectiva. Esta memória confere coerência à partilha de valores colectiva.
N’Os Lusíadas o herói inscreve-se, pelo contrário, numa mensagem realizada a partir dos seus grandes feitos e recompensas, que são exaltados pelo poeta de maneira a incentivar o Rei D. Sebastião a manter a imagem heróica que foi lhe é transmitida no Poema, relativamente aos portugueses. Camões vive no tempo do Rei e, assim, ainda tem esperança de que os portugueses se reergam. O poeta retrata o Rei com uma existência física e realça o facto de ele ser superior e honrado por expandir a cristandade:
“E vós (Rei), […] E não menos certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade”.
(in “Dedicatória”)
Na Mensagem, Pessoa retrata D. Sebastião como um “louco”, mas positivamente. No texto “D. Sebastião rei de Portugal”, o rei fala como se estivesse vivo porque ele, apesar de ter morrido fisicamente, continua presente na memória dos portugueses, pois a sua bravura não será esquecida. O rei é louco porque ambiciona e quer aventura e, por isso, morre:
“Louco, sim, louco, porque quis grandeza.”
O poeta especifica que existem duas perspectivas de D. Sebastião, uma passada, D. Sebastião que existiu em carne e osso, e uma do seu tempo, o mito:
“Ficou meu ser que houve, não o que há.”
Assim, D. Sebastião, representado espiritualmente, anuncia possíveis aventuras futuras, novas conquistas, novas terras.
Camões tem uma visão mais antiga do herói: para ele o herói tem de mostrar virilidade e ir em busca de aventura, enquanto a mulher fica em casa. Deste modo, esta visão clássica, Grega, do herói resulta na superação de todos os obstáculos que aparecem no caminho dos portugueses – o Gigante Adamastor, as ciladas de Baco – enquanto na Mensagem apenas na segunda parte, “Mar Português”, podemos considerar a busca de obstáculos e sua superação.
Em “O Infante” o poeta anseia pela elevação de Portugal:
“Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
Enquanto Camões incentiva e espera que Portugal regresse à sua grandeza, Pessoa é mais sombrio e apenas sonha que os portugueses fiquem descontentes com a decadência em que se encontram e não se conformem, o que é realçado na terceira parte da obra, “O Encoberto”:
“Triste de quem vive em casa / Contente com o seu lar.”
(in “O Quinto Império”)
Deste modo, “O Quinto Império” simboliza esse sonho apesar de o Império já se ter cumprido e agora restar apenas um Império futuro que poderá ou não revelar-se.
O “Nevoeiro” simboliza a confusão em que o país se encontra e também a mente que o Povo tem, pois pensa que fomos grandes mas já não o seremos. Assim, este texto representa um fumo, uma sombra que é a cabeça dos portugueses:
“Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”
Mas o poeta faz uma chamada de atenção para que esta situação mude e para que o Povo se reafirme:
“É a Hora!”
N’Os Lusíadas não há esta sombra, mas sim a força para que os portugueses superem todas as dificuldades e sejam vencedores, sendo superiores até atingir o nível dos Deuses, tanto que na Ilha dos Amores até as ninfas se apaixonam por eles de tão importantes –também no Amor… – que eles são. Assim, os Portugueses são recompensados por terem lutado por um objectivo e pelo Amor.
Resumindo, na Mensagem todos os heróis formam uma força que o poeta deseja que se reerga no futuro reabilitador da decadência em que Portugal caiu, mas esta expectativa resulta na utopia que nunca será atingida e, por isso, Pessoa apresenta o herói de uma forma sombria e contemplativa. Por oposição a esta negatividade, Camões retrata os Portugueses como heróis activos e grandiosos que se irão destacar outra vez e acredita que vencerão o desconhecido e serão donos do seu próprio destino.
Os Lusíadas | | Mensagem |
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Dinamismo: a viagem, a aventura, o perigo. | | Estatismo: o sonho, o indefinido. |
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A acção, a inteligência, o concreto, o conhecimento do Império no apogeu e na decadência, a possibilidade de ter esperança. | | O abstracto, a sensibilidade, a utopia, a falta de razões para ter esperança, o sebastianismo. |
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O poeta dirige-se a D. Sebastião, que era uma realidade viva, e invectiva o rei a realizar novos feitos que dêem matéria a uma nova epopeia. | | D. Sebastião é uma entidade que vive na memória saudosa do poeta, uma sombra, um mito. |
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A memória e a esperança situam-se no mesmo plano. | | A esperança é utopia, só existe no sonho. |
Concepção de heroísmo: concretização de feitos épicos pelos humanos. | | Concepção de heroísmo: de carácter mental, conceptual. O autor identifica-se com os heróis e, através deles, revela-se num processo lírico-dramático. Os heróis são símbolos de um olhar visionário, as figuras são espectros, resultado do trabalho do pensamento. |
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Amor à Pátria: enaltecimento e imortalização da História de Portugal e dos heróis portugueses, através de um poema épico, trabalho árduo e longo. | | Amor à Pátria: atitude metafísica, procura incessante do que não existe. Expressão de fé no Quinto Império, evasão angustiada da vivência absurda. |
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Linguagem épica, estilo grandiloquente. | | Linguagem épico-lírica, estilo lapidar. |
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Epopeia clássica pela forma e pelo conteúdo. Narração da viagem de Vasco da Gama, da luta dos deuses, da História de Portugal em alternâncias, discurso encaixado, analepses e prolepses. | | Mega-poema constituído por quarenta e quatro poemas breves, agrupados em três partes principais (1ª, 2ª, 3ª, sendo a 1ª e a 3ª subdivididas). De carácter ocultista, a sua natureza é predominantemente de índole interpretativa, com reduzida narração. |
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Assunto: os Portugueses e os feitos concretos cumpridos. O poeta canta a saga lusa na conquista dos mares. | | Assunto: a essência da Pátria e a missão que esta deverá cumprir. |
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Os heróis agem norteados pela Fé de Cristo, dando a conhecer novos mundos ao mundo. A missão de Vasco da Gama foi coroada de êxito, dela derivou o Império Português do Oriente; outra missão poderá ser realizada pelo rei D. Sebastião: difusão do Cristianismo e conquistas no Norte de África. | | Os heróis, numa atitude contemplativa e enigmática, buscam o infinito: a Índia tecida de sonhos. A missão terrena de Portugal foi cumprida por vontade divina; outra, de índole ocultista, aventura espiritual e cultural, está ainda por cumprir, a hegemonia do Quinto Império. |
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Epopeia de dimensão humanista-renascentista: acesso ao conhecimento dos segredos da Natureza pelo Homem. | | Poema épico-lírico-simbólico-mítico, projecto de ideal de fraternidade universal: utopia. Elogio da loucura, do sonho; evasão do real, valorização do imaginário. |