Os Lusíadas celebram os Portugueses enquanto nação, colectividade. Para isso, o
poeta desenvolve uma história de Portugal como epopeia, seleccionando os episódios e
as figuras, de modo a fazer avultar o lado heróico e exemplar da História, cantando-a.
Por outro lado, o poema tende à universalidade, louva não só os Portugueses mas o
homem em geral: a sua capacidade realizadora, descobridora. A empresa das
descobertas é a grande prova dessas capacidades: a de se impor à natureza adversa, de
desvendar o desconhecido, de ultrapassar os limites traçados pela cultura antiga e pelo
conceito tradicional do homem e do mundo, que estavam dogmatizados e eram difíceis
de superar. Os Lusíadas celebram a capacidade de alargar e aprofundar o saber; a
realização do homem no que respeita ao amor e, por fim, talvez o mais importante, o
poder de edificar a vida face ao destino. De não ser vítima da fatalidade. De se libertar e
de ser sujeito do seu próprio destino. Por isso, um dos temas épicos consiste na
comparação sistemática com os modelos antigos, com o apogeu na divinização dos
heróis.
O Homem, «bicho da terra» tão pequeno, conseguiu conquistar o mar que o
transcendia - espaço de transgressão -, vencendo as forças, personificadas pelos Deuses.
Conseguiu isso pela ousadia, pelo estudo, pelo sacrifício, por querer superar-se a si
próprio e ser «mais alto» e ir «mais longe». Os homens tornam-se deuses, fazendo cair
do pedestal as antigas divindades. A recepção dos nautas pelas ninfas significa a
confirmação dos receios de Baco: de facto, os navegantes cometeram actos tão
grandiosos que se tornam amados pelos deuses; e, de certo modo, divinizam-se também.
Temos aqui um mito construído com elementos da cultura greco- latina, mas elaborado
para o efeito específico que o autor visa. Que diz esse mito? Reconhece a importância
excepcional do acontecimento nuclear do poema -a Viagem de Descoberta do Caminho
Marítimo para a Índia. A viagem é física, humanista, geográfica e poética. A
euforia leva à epopeia como forma elevada de imortalizar os heróis da aventura.
Mais do que explorar os mares, a viagem traduz em si mesma a contínua procura
de verdade, pois é sempre mais belo viajar do que chegar. Desta viagem resulta a
passagem do conhecido para o desconhecido, das trevas para a luz, de uma ideologia
confinada para outras e diversas realidades. Os olhos dos eleitos que viram o raiar da
aurora e a água pura das fontes ou que tiveram o privilégio de contemplar a «máquina
do Mundo» exprimem a metáfora da luz numa nova época do conhecimento. O
deslumbramento dos nautas pelo erotismo da «ilha» simbolizará também a necessidade
de uma comunhão dos homens com o divino na procura da suprema harmonia.
Assim se consubstancia a narrativa que na Ilha dos Amores revelará ao mundo
que a única via para o Futuro é o Amor e o Conhecimento. A superação advém dessa
interiorização, dos perigos e contrariedades. «Vede» -depois de tantos e tantos perigos,
chegámos aqui para voltar com o conhecimento. A descoberta verdadeira foi que o
caminho marítimo (ou terreno) é através do Amor e do Conhecimento. O desconhecido
torna-se conhecido e o mistério é desvendado, os nautas divinizados.
in Interacções, Texto Editora
Consulta:
http://portugues-fcr.blogspot.pt/2013/02/o-heroi-em-os-lusiadas.html
Outras consultas:
https://pt.slideshare.net/sebentadigital/os-lusadas-mitificao-do-heri
http://folhadepoesia.blogspot.pt/2007/06/camoes-heroi-humanista.html
http://ovalordapalavra.blogspot.pt/2011/06/mitificacao-do-heroi-os-lusiadas.html
http://acncs.blogspot.pt/2012/04/mitificacao-do-heroi-em-os-lusiadas-e.html
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